domingo, 21 de agosto de 2011


CORAÇÃO MATERNO

No universo sem salvação do amor, a saudade é um país cinzento e cruel que mata aos poucos. Lorde Byron, poeta romântico inglês, filho de um pai predador, e não provedor, carregou desde cedo à carência da alma, pois logo cedo,  ao romper com a mãe caiu em uma solidão profunda que nunca mais o deixou e tal situação findou por lhe impor a terrível condição de solitário e perdido que, por sinal, o acompanhou até o fim da vida, apesar das muitas camas de homens e mulheres que frequentou.

Byron rompeu com a mãe e perdeu o rumo da vida. E se não tivesse rompido, teria se transformado no grande poeta que foi ? Byron rompeu com a mãe, porém a mãe nunca rompeu com ele e apesar da distância, de ter sido totalmente ignorada, findou morrendo de ataque de raiva ao saber das dívidas colossais do filho. Apesar da ausência física, nunca esteve distante do poeta.

Pois bem, aquela mulher, para não desagradar a mãe, impôs um país cinzento e cruel ao seu cúmplice, evitando assim um rompimento com a mesma, mesmo que meramente simbólico, que poderia resultar na mesma solidão que foi imposta pelo destino ao Lorde Byron. O ocorrido desagradou ao cúmplice que fora alvo constante da incompreensão, indignação e desprezo da mãe dela e passou a nutrir um sentimento resumido no mais longe possível.

Certo dia, ele reencontrou a mãe dela, em um café da cidade que ambos freqüentavam,  porém em horários diferentes. Era uma sexta-feira, início de noite. Ela estava humilde, pareceu-lhe menor que antes. Na ocasião ele pensou, nada vai mudá-la, é triste, mas o sentimento do mais longe possível continuava.

Os anos se passaram e ele a reencontrou novamente, no mesmo café, e se era verdade que ela continuava a mesma ele sem dúvida é que mudara, pois de imediato teve a impressão de que tudo que a mãe dela fez no fundo era bem inofensivo e que ele é que tinha cometido o verdadeiro erro de ter dado muita importância as suas insistências para que a filha rompesse aquela relação que a atormentava. A filha findou por  atender ao pedido da mãe. Poderia não ter atendido e, se assim tivesse ocorrido, não tinha passado de um pedido inofensivo e incapaz de ditar o rumo de sua vida.

Na verdade, a filha é o ídolo da mãe que, em troca, exigiu um pequeno pagamento, sua vida. A filha, já crescida, nunca madura o suficiente, já que não passou de filha e a sua vida, aquela com a qual pagou o sacrifício da mãe, foi sendo lentamente cortada pelo destino e assim  permaneceu até a chegada do seu libertador, seu filho.


                                 

-Seja no filme, seja na música, o personagem de Vicente Celestino em CORAÇÃO MATERNO arranca o coração da mãe para atender ao pedido da mulher amada; CORAÇÃO MATERNO também foi gravada por Caetano Veloso. Utilizei no texto, fragmentos do romance A PIANISTA, da escritora austríaca Elfriede Jelinek, Prêmio Nobel de Literatura de 2004; escritos de José Castelo sobre Byron; fragmentos do  O LIVRO DO RISO E DO ESQUECIMENTO, de Milan Kundera, segunda parte MAMÃE, página 33, Editora Nova Fronteira, Edição de 1987 e  conclusões sobre a bailarina reprimida pela mãe no filme CISNE NEGRO.