quarta-feira, 24 de outubro de 2012

As arvores do norte tem frutos estranhos


O GOSTO AMARGO DA LEMBRANÇA


A música que escutei certa vez é do tipo que faz um estrago logo na primeira audição e pode tomar simultaneamente duas direções distintas. Um encantamento e repulsa.

Não sei quando ocorreu a gravação e, pelo visto, ninguém a cantou ou falou a respeito, dizem até que na época ninguém a ouviu. A propósito, quem se interessaria por uma música que fala de um sonho que teimava em se repetir todas as noites.

Através do sonho, ela o visitava todas as noites, fazia-lhe caricias, beijava-o, brincava e dizia reiteradamente que lhe pertencia. Os anos foram passando, passando, até que ele passou a amá-la e a cultuar tudo que lhe dizia a respeito, chegando ao inacreditável de aprender, de forma fluente, a estranha língua que ela falava.

Certa vez, ainda pequeno, voltando para casa escutei a música tocando em um estranho bar, uma casa noturna que passou despercebida na cidade e que abrigava sob o mesmo teto e sem regalias, tudo que existia na noite mundana, playboys, travestis, poetas, prostitutas, bêbados e outros habitués de cores diversas.

Foi nesse ninho de arte e tensa tolerância que escutei a música e, naquela ocasião, mesmo de passagem, observei que todos foram acometidos por um silêncio sufocante, alternado por poucos aplausos e gargalhadas exasperadas.

Embora a música pertença ao mundo, não sei quem a gravou ou compôs, só sei que tem uma história tão fascinante quanto ao lugar em que foi tocada, pois na calçada do dito estabelecimento tinha uma arvore que dava uns frutos que ninguém conhecia e que após a sua retirada a espécie foi extinta sem que ao mesmo um pesquisador ou botânico a registrasse.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

A pedidos


O PERIGOSO NAMORO COM A INCERTEZA



Após viajar em um belíssimo texto de Carmem Vasconcelos, resolvi por fim ao meu acervo. Estou doando tudo e talvez precise jogar muita coisa fora. O difícil de tal decisão não é saber o que quero e o que não quero. O difícil fica por conta das coisas que a gente não sabe se quer. As coisas do limbo. É a tal história do apego. A coisa perde a sua destinação, ou a sua utilidade, mas não se tem coragem de largá-la. Às vezes, viram entulhos, são as coisas diretamente vinculadas as incertezas.

Com os sentimentos acumulados na vida, ocorre algo parecido. Existem os que queremos para sempre, outros que não queremos sentir. E tem aqueles aos quais nos apegamos, mesmo que às vezes nos façam mal. O mesmo se diga dos ressentimentos que, por sinal, é uma mágoa à qual nos apegamos e só tem um rival na arte de envenenar o espírito da gente: a saudade. Ressentimento e saudade são rivais e são irmãos. Se deixarmos, eles nos devastam.

O ressentimento é o filho do nosso ego. Alguém se atreve a nos magoar e merece o fogo do inferno. Acontece de às vezes continuarmos a desejar o tal fogo para a pessoa durante meses, anos, o resto da vida. Aí, a pessoa, por conta da saudade, continua a ocupar na nossa vida por muito tempo um espaço que às vezes os nossos mais queridos entes não ocupam.

Na verdade, não é bem a outra pessoa quem nos ocupa. É o nosso ego inflamado, que às vezes não nos deixa enxergar que, como todas as pessoas, somos passíveis de ser magoados, enganados, traídos, esquecidos.

Há sentimentos de tal forma misturados conosco, que já nem nos reconhecemos sem eles. Se eles pesam, nosso semblante se torna sombrio. Ressentimentos e saudades são assim, têm muito peso, mudam a nossa expressão e sempre tem alguém que merecerá de nós essa escuridão tão parecida com o sacrifício.

* Fragmentos de textos da poetisa Carmem Vasconcelos.

sábado, 15 de setembro de 2012

Manhãs de setembro

MANHÃS DE SETEMBRO *
                               
                                 http://youtu.be/-acmIKPrlIw  


Em brilhante resenha, o Jornalista Mario Ivo encantou a todos ao afirmar que para viver um grande amor é necessário antes de tudo estar apaixonado e, neste estado, tem que se ignorar solenemente o tempo, recusar o passado, imaginar que o futuro não existe, acreditar que será eterno e o essencial que é confiar cegamente no outro, como um fiel que rejeita a ciência e abraça a fervura quente de um milagre.

O grande amor consegue o impossível, chegando até a parar o tempo, os ponteiros e todos os relógios do mundo, relógios estes que só existem dentro dos limites de um refúgio criado pelos amantes para viver o seu grande amor. Neste sentido, há de se concluir que o amor verdadeiro nasce e é construído através da amizade que surge de forma permanente entre os amantes.

Porém, no campo do amor, não existe espaço para vacilações e dúvidas, pois estes defeitos da alma trazem consigo as ofensas,  pequenas e grandes. O amante pode até perdoar as pequenas ofensas. E as grandes, o que fazer com elas? Devem-se perdoá-las?

Então, o que dizer do amante que na vida profana, tinha a capacidade de perdoar apenas as pequenas ofensas. Do homem que amava a sua mulher como um afeto que devorava o seu coração e por isso não pode considerar como uma pequena ofensa o abandono que sofreu, pois sua mulher o trocou por um bastardo que não amava.

O seu sentimento foi profanado e, por este fato, teve que passar por uma transformação quando sentiu de forma brutal a mão pesada da rejeição, porém fez de tudo para não se entregar a depressão que as convenções reservam ao amante rejeitado, pois nenhuma rejeição é definitiva.

Como o tempo,  tudo vira passado e deve ser mantido como tal. Mesmo se tivesse a chance de alterá-lo, o rejeitado deveria mudar apenas a maneira de olhar para ele. Para tirar o que tem de vaidade, de engano e de sofrimento excessivo.


* Escrito no decorrer da madrugada do dia 15 de setembro de 2012, tipo 02 hs da manhã, após ouvir na Rádio Globo, Manhã de Setembro com Vanuza.   

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Que mais posso querer


EU BATO O PORTÃO SEM FAZER ALARDE 



Sofrendo de impedimento na fala, depois da operação de um tumor maligno no maxilar, disse Freud: “Tive bastante para comer. Apreciei muitas coisas – a companhia de minha mulher, meus filhos, o por do sol. Vi as plantas crescerem na primavera. De vez em quando, apertei uma mão amiga. Uma vez, encontrei um ser humano que quase me compreendeu. Que mais posso querer?”.


A aventura do MERCADOR DE VENEZA termina por aqui. O último texto O PERIGOSO NAMORO COM A INCERTEZA, não será publicado e, sim, remetido por e-mail para poucos leitores.

A todos que visitaram este blog, um grande abraço.