terça-feira, 27 de setembro de 2011


A NEÓFITA

Ele sempre viveu bem. Não teve maiores problemas, a verdade é essa. Mas, cometeu um pecado grave e mortal, valorizou muito a única coisa que deu errado em sua vida. Ele pensou que existia amor em sua cúmplice, o que nunca existiu. Se alguém ouvisse ele falando de como ela foi embora, pensava logo que ele era o homem mais sofrido do mundo e que tinha uma espécie de apego à dor, e que a capacidade de suportá-la até o infinito não passava na verdade de uma espécie de tirania.

Ele tinha um prazer masoquista em repisar aquela ferida, contando e recontando os mínimos detalhes de sua triste história e começava dizendo que o mundo tinha desabado no dia em que, sem mais nem menos, ela lhe telefonou dizendo que não a procurasse mais. Na ocasião, ela foi polida o suficiente para omitir que já estava com outro e que deixou a entender que ele não era o ar que respirava.

Quando ela foi embora, ele se entregou ao seu calvário. Para começar, se sentiu envergonhado. Mas isso era só uma faceta da grande dor que sentia. O pior era ter saudade, que por sinal era tão grande que ele vivia dizendo, em seu imaginário, que era como se ela estivesse ali ao seu lado. Conversava com a saudade e com ela dividia o prazer em apreciar as valsas de Strauss e as sonatas de Chopin, tocadas por Arthur Rubinstein.

Carregou consigo, por muito tempo, como um manto, o luto pela separação. Um luto sem morte, talvez pior, porque a morte é uma dor acabada, uma dor limpa. Viveu em seu calvário por mais algum tempo até o aparecimento da neófita que tinha sido anunciada pelo ATHERZATA na última quinta-feira santa.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011


CRÔNICA DO AMOR


Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes batendo a porta.
O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por conjunção estelar.
Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada, veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referenciais.
Ama-se pelo cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que provoca.
Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela fragilidade que se revela quando menos se espera.
Você ama aquela petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você deu flores que ela deixou a seco.
Você gosta de rock e ela de chorinho, você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina Natal e ela detesta o Ano Novo, nem no ódio vocês combinam. Então?
Então, que ela tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com você. Isso tem nome.
Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha. Ele não tem a menor vocação para príncipe encantado e ainda assim você não consegue despachá-lo.
Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete feito manteiga. Ele toca gaita na boca, adora animais e escreve poemas. Por que você ama este cara?
Não pergunte pra mim; você é inteligente. Lê livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor.
É bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura por computador e seu fettucine ao pesto é imbatível.
Você tem bom humor, não pega no pé de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse, criatura, por que está sem um amor?
Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente = dois apaixonados.
Não funciona assim. Amar não requer conhecimento prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o Amor tem de indefinível.
Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas, bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó! Mas ninguém consegue ser do jeito que o amor da sua vida é! Pense nisso. Pedir é a maneira mais eficaz de merecer. É a contingência maior de quem precisa.