quarta-feira, 24 de outubro de 2012

As arvores do norte tem frutos estranhos


O GOSTO AMARGO DA LEMBRANÇA


A música que escutei certa vez é do tipo que faz um estrago logo na primeira audição e pode tomar simultaneamente duas direções distintas. Um encantamento e repulsa.

Não sei quando ocorreu a gravação e, pelo visto, ninguém a cantou ou falou a respeito, dizem até que na época ninguém a ouviu. A propósito, quem se interessaria por uma música que fala de um sonho que teimava em se repetir todas as noites.

Através do sonho, ela o visitava todas as noites, fazia-lhe caricias, beijava-o, brincava e dizia reiteradamente que lhe pertencia. Os anos foram passando, passando, até que ele passou a amá-la e a cultuar tudo que lhe dizia a respeito, chegando ao inacreditável de aprender, de forma fluente, a estranha língua que ela falava.

Certa vez, ainda pequeno, voltando para casa escutei a música tocando em um estranho bar, uma casa noturna que passou despercebida na cidade e que abrigava sob o mesmo teto e sem regalias, tudo que existia na noite mundana, playboys, travestis, poetas, prostitutas, bêbados e outros habitués de cores diversas.

Foi nesse ninho de arte e tensa tolerância que escutei a música e, naquela ocasião, mesmo de passagem, observei que todos foram acometidos por um silêncio sufocante, alternado por poucos aplausos e gargalhadas exasperadas.

Embora a música pertença ao mundo, não sei quem a gravou ou compôs, só sei que tem uma história tão fascinante quanto ao lugar em que foi tocada, pois na calçada do dito estabelecimento tinha uma arvore que dava uns frutos que ninguém conhecia e que após a sua retirada a espécie foi extinta sem que ao mesmo um pesquisador ou botânico a registrasse.