quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Nova fase


SEPARAÇÕES *


Ele era engenheiro, gostava de filmes de ação e corria na esteira três vezes por semana. Encarava o sexo como uma necessidade fisiológica, uma exigência corporal que surgia mais intensa quanto mais descansado estivesse: ao acordar. À noite, exausto, só queria tomar uma cerveja e dormir.
Ela era pintora, detestava "filme de carro explodindo" e praticava hatha yoga. O sexo, para ela, era "cosa mentale": o desejo ia crescendo durante o dia, a fantasia se desenhando nas cochias do pensamento e só ao se deitar na cama, antes de dormir, começava o espetáculo.
Quando se conheceram, não atinaram para o problema de fuso horário --no jet lag da paixão, toda hora era hora--, mas, assim que o fogo abaixou e o sexo teve de encontrar seu escaninho no armário da rotina, as diferenças apareceram.
Separaram-se faz um mês. Ironicamente, ele sente mais falta dela à noite, enquanto toma sua cerveja e espera o sono; ela sofre mais ao acordar, só, de manhãzinha.
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Da primeira vez que ela foi à casa dele, viu na cama desarrumada, nos vinis espalhados pelo chão e na geladeira vazia --meia garrafa de vinho e três sachês de ketchup (vencidos)-- uma postura rock'n'roll, um desprendimento libertador, uma superioridade quase beática.
Da primeira vez que ele foi à casa dela, viu nos tupperwares etiquetados, nas flores da jardineira e no mural do escritório sua possível salvação: sonhou com um futuro de refeições balanceadas, vinis em ordem alfabética e contas no débito automático.
Por seis meses, ela resistiu às toalhas molhadas na cama, aos discos espalhados pela casa e às caixas de pizza no sofá; "A única coisa que eu pedia era pra ele botar o telefone na base. Se você ama mesmo uma pessoa, é capaz de fazer esse mínimo esforço, não é?". Separaram-se faz uma semana. Ontem de madrugada, a caminho do banheiro, ela viu a luzinha verde da bateria, na base do sem fio, e caiu no choro.
Eles gostavam dos mesmos filmes, dos mesmos livros, das mesmas bandas, dos mesmos pratos nos mesmos restaurantes, riam das mesmas piadas, queriam conhecer os mesmos países e ter um filho chamado Frederico. Depois de cinco anos, contudo, se cansaram daquela mesmice. Ela disse que estava pensando em se separar, ele disse que vinha pensando o mesmo. Ontem, ao partir, ela o fez prometer que jamais teria um filho chamado Frederico. Ele prometeu --e pediu o mesmo.
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Por dez anos, ele foi absolutamente fiel. Não transou, não beijou nem flertou com nenhuma outra mulher. Nos últimos meses, a retidão começou a pesar em seus ombros. Anda por aí olhando bundas com a voracidade de um remador das galés, deu pra implicar com pequenos atrasos da esposa e pra discordar de seus comentários durante o jornal.
Já ela, nesses dez anos, não foi absolutamente fiel. Transou com um colega de trabalho e com um ex-namorado de adolescência, que encontrou por acaso em Salvador. Nada sério, só desejo: ela tem certeza absoluta de estar ao lado do homem que ama e jamais cogitou trocá-lo por alguém.
Agora, ele chega na sala, senta ao lado dela, olha pra parede e diz que precisam conversar.


* Antônio Prata (Folha de São Paulo, 17/11/2013, Cotidiano C2)

sexta-feira, 12 de abril de 2013

De tudo que escrevi, poucas palavras prestaram e não eram minhas, eram suas...



NÃO HÁ SILÊNCIO QUE NÃO TERMINE



O silêncio é justo, poucas palavras não quer dizer que foi quebrado. O silêncio, de onde venha, remete a uma ausência que é, na verdade, a única presença.

O silêncio é justo. A resposta, sempre a mesma. No amor, independente de qualquer outro sentimento, política ou atividade existe o que chamamos de passado. O silêncio justo nos impõe que devemos nos comportar como se o passado não existisse, pois o perdedor ficou pelo caminho e o sobrevivente vencedor seguiu adiante.   

O perdedor é sempre o que não fez o que deveria e só chegou a tal situação porque foi incapaz de tomar uma decisão que lhe traria uma cota pessoal de sacrifício em busca do desejo, de um novo projeto de vida que tanto almejava.

Se o perdedor tivesse vencido, não existiria o silêncio, não tínhamos a ausência, só a presença.