terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Atlantique


TODA HISTÓRIA DE AMOR TEM SEUS FANTASMAS

         Em um extraordinário entardecer de novembro, uma vitalina perguntou se as palavras, com certo propósito,  chegavam ao destino. 

Não tem como saber. Não se deve se preocupar com o destino e, sim, com o propósito que é de encantar e o encanto chega de todos os lados, de todas as fontes, das músicas, das palavras, de tudo. 

Tudo encanta, principalmente quando esse tudo vem da miséria onde não tem nada que se aproveite e é esse o ambiente de Atlantique, drama senegalês de Mati Diop, primeira diretora negra a competir pela Palma de Ouro no Festival de Cannes.

Atlantique é um intenso romance, notável por sua impecável concepção, além de uma original abordagem aos complexos desígnios do amor, da perda e das forças que ressurgem das cinzas da tragédia.

         Em Atlantique o amor é retratado em gestos simples, mas repletos de ternura e na devoção dos protagonistas um pelo outro, que nos proporciona uma fantástica declaração de amor, mesmo no momento em que ocorre um afogamento.

Ada: Eu sabia que você voltaria
Ada: Só podia ser você
Ada: Sempre sentirei o seu gosto, do sal do seu corpo no meu suor.
Souleiman: Como você é bonita  
Souleiman: Tudo que vi foram seus olhos e suas lagrimas
Souleiman: Senti seu pranto me puxando para o litoral
Souleiman: Seus olhos nunca me deixaram
Souleiman: Eles estavam comigo
Souleiman: Iluminando as profundezas.

         Extraordinário.

sábado, 19 de outubro de 2019

Os brutos também amam


AZUL É A COR MAIS QUENTE


Sem dúvidas, o melhor filme que o homem legou a humanidade. A obra,  que resume a mais cruel exposição da sexualidade feminina em todos os tempos, arrebatou a Palma de Ouro no festival de Cannes em 2013  e, para não ser diferente de uma produção maldita,  chocou e choca todo mundo até hoje.

A  maestria com que o marroquino Abdellatif Kechique narra o amor entre duas mulheres que são diferentes em tudo não tem sombra. Uma, lésbica, intelectual, muitas posses. Outra, indefinida, professora de escola infantil do subúrbio, pouca ou nenhuma posse e que gosta de Spaghetti.

Azul passou no Canal Max, no decorrer de uma madrugada de carnaval, de domingo para segunda, horário inalcançável pelos fofos. Nessas horas, tudo que não é comum aparece, sai das coxias, surge das trevas. 

É como Os brutos também amam, de Roberto Carlos, gravada pelo rei Aguinaldo Timotel, para uns não quer dizer nada, para muitos mexe, incomoda, sacode. 

Quem assistiu TAMPOPO – Os Brutos Também comem Spaghetti e se lembra da cena da gema do ovo, que viaja nas bocas dos atores, em um vai e vem até estourar na hora do gozo, sabe o que estou dizendo.

domingo, 8 de setembro de 2019

CAFARNANUM



 CAFARNAUM



Cafarnaum não é apenas uma cidade citada na lenda bíblica, no qual grande parte da humanidade acredita que o Nazareno tenha pregado. Cafarnaum também é um filme, maldito, onde a miséria e a desordem estão na ordem do dia. Em suma, uma fauda, o caos da pobreza, o tormento dos desesperados, uma odé aos marginalizados.

A diretora Nadine Labaki acertou a mão. Como Hecto Babenco, olhou para quem estava além do meio fio da vida e enfrentou a desigualdade social extrema, ao ambientar nos arredores de Beirute o calvário de Zain, que após sofrer durante anos abusos em casa, passar muita fome, ser obrigado a morar na rua e ir parar na cadeia por ter esfaqueado uma pessoa, resolve processar os pais por apenas ter nascido.

Zain nasceu para o não, Não presta. Não vive, Não é gente. É o retrato do indesejável, é tudo do que se espera de um marginal, de um bandido.  Nascer assim é cruel, sendo apenas mais um, sem afeto, sem nada. Zain, com apenas 12 anos é Cafarnaum. 

Cafarnaum acumulou indicações mundo a fora, mas não levou os principais prêmios. Um roteiro maldito inspirado na realidade, na miséria, finda levando no máximo prêmios menos importantes, como o do Juri de Canes. 

A propósito, registra-se: tudo que incomoda não passa da calçada, não chega na cobertura. É o caso da obra prima coreana Oldboy que retratou, em um ambiente besterol e com maestria, o supra-sumo do incesto e teve que se contentar com o Grand Prix de Canes. Não passou da calçada.