sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

OH, METADE AFASTADA DE MIM

PEDAÇO DE MIM
Chico Buarque


Oh, pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar
Oh, pedaço de mim
Oh, metade exilada de mim
Leva os teus sinais
Que a saudade dói como um barco
Que aos poucos descreve um arco
E evita atracar no cais
Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu
Oh, pedaço de mim
Oh, metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi
Oh, pedaço de mim
Oh, metade adorada de mim
Lava os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor
Adeus

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O RABINO DOS BACANAS

Entrevista com o rabino Nilton Bonder
O que é cabala?
A raiz da palavra significa “receber” e está relacionada à maneira como os ensinamentos dessa tradição eram transmitidos do mestre para seu discípulo. Por ser algo refinado e, às vezes, de difícil compreensão, necessitava desse tipo de tutoria. Hoje, podemos definir como o estudo da interpretação. Em outras palavras: se você não consegue ler o que dizem as letrinhas miúdas, os sinais da vida, em algum momento será enganada. A capacidade de decifrá-los é o sentido da cabala.

Por que o assunto ganhou uma conotação tão misteriosa?
Quando você lê os vários planos de um texto e seus diversos contextos, enxerga mais longe. Para quem não conhece essa capacidade, parece mágica. Mas nada mais é do que olhar a vida em alta definição, em HD.

Qual a função de um rabino?
É como atender aos chamados para o 190. O rabino é uma espécie de consultor, procurado pela comunidade para ajudar nas crises. Mas há também o lado alegre, o das festas, como o bar mitzvah (que celebra a maioridade religiosa judaica, aos 13 anos). Nesses casos, sou festeiro, do tipo que precisa ser puxado fora do palco para parar de cantar.

O senhor se considera um religioso moderno?
Tenho um grande respeito pela tradição. Ao mesmo tempo, preciso ser autêntico. Ou seja: sou judeu, rabino e brasileiro. Minhas raízes estão aqui. Fui criado no Rio de Janeiro. Se morasse nos Alpes, por exemplo, esquiaria o tempo todo. Aqui, vou à praia. Dessa autenticidade vem a sensação de modernidade. Quem faz parte da comunidade pode achar que estico demais a corda. Já quem está do lado de fora tende a acreditar que faço parte de um grupo fechado e restrito. Vivo as duas contradições com seus ônus e bônus. Algumas vezes, tenho de pedir socorro. Tiro férias, converso com outro rabino.

Dinheiro, comida e inveja: por que escolheu esses temas para seus três primeiros livros cabalísticos?
A trilogia surgiu porque no Talmude (um dos livros básicos da religião judaica) é dito que uma pessoa pode se conhecer por meio de seu copo, de seu bolso e de sua ira. Esses são os três elementos da autodescoberta. A ira acabou virando inveja porque ela é derivada da raiva que se transformou em ódio e rixa.

Como lidar com esse sentimento no dia a dia?

É preciso parar de controlar a vida do outro. Se ele, ou ela, se dá bem, você fica mal; se vai mal, você fica bem. Você está com seus prazeres e sofrimentos engatados no outro. A maneira mais eficiente de lidar com isso é realizar o desengate. Não importa se você inveja ou é invejada: enquanto mantiver alguém como seu arqui-inimigo e encará-lo como poderoso, permanecerá conectada e suscetível.

Qual a maneira mais sábia de administrar o dinheiro?
Nosso patrimônio é a soma daquilo que escolhemos ter e do que decidimos não ter. Essa é a base mais importante da economia pessoal. A fim de possuir certas
coisas, você terá de trabalhar mais, talvez até estragar a saúde ou suas relações, tudo porque precisa comprar. Viver bem significa realizar boas escolhas em prol da qualidade da existência. Infelizmente, as mulheres são muito manipuladas com relação ao consumo. Por terem uma ligação forte com a estética, são facilmente fisgadas por falsas necessidades. Não existe nada de errado em buscar o que é bom e belo. Mas será que você precisa mesmo de tantos pares de sapatos? Com tantas decisões a tomar, muitas mulheres sofrem por se sentir sobrecarregadas... Se isso acontece, é porque talvez se esteja abarcando mais do que se deveria. Ao querer decidir sobre minúcias o tempo todo, você abre flancos. Criar alguns filtros é fundamental

Como encara a questão do erotismo feminino?
Encravado no texto bíblico, existe o “Cântico dos Cânticos”, uma passagem muitíssimo erótica. Sua função é nos dizer que uma das maneiras de louvar a vida é ser grato ao Criador pela existência de uma dimensão sensual. Esquecê-la é quase uma rejeição à vida. O sexo confere colorido a ela, assim como a comida e outros prazeres. Não é o caso de perder-se em sua procura única e exclusiva; por outro lado, deixar de usufruí-lo é pecado. Eu mesmo, como escritor, busco esses limites, às vezes esquecidos dentro da tradição.

Como a questão da traição é vista pela óptica cabalística?
A tradição pede que você não abra mão de algo precioso por outra coisa destituída de valor. A palavra adultério vem de adulterar, que significa misturar o que possui qualidade com algo que não tem. Quando o dono de um posto adultera a gasolina, por exemplo, faz exatamente isso. Se você põe em risco o casamento ouqualquer outra coisa de valor real para si, certamente acabará infeliz. Por outro lado, é preciso fazer uma análise interior para distinguir quais valores realmente são seus.

Que relação existe entre a ciência e a cabala?
A ciência é muito mais antropocêntrica – faz do ser humano o centro do Universo e considera o homem um fim em si mesmo. Mas somos um meio, não um fim. Gosto de usar a metáfora de que a galinha acha que o mundo foi feito para ela existir. Mas ela é só o meio entre um ovo e outro. Muita gente se perde nesse debate – inclusive as mulheres, quando abrem mão da maternidade alegando não querer estragar o corpo ou perder tempo com a educação de um filho.

Você escreveu um livro chamado O Crime Descompensa. O que significa?
No texto, explico que a impunidade não existe. Todo crime descompensa o indivíduo que sabe estar infringindo um valor, uma lei que ele conhece. Uma pessoa que se descompensa por muito tempo paga um preço alto em sua qualidade de vida. Passa a desconfiar de Deus e do mundo, perde sua inocência e se autodestrói. O ideal para a humanidade é formar e educar a fim de que as pessoas prezem valores.

O que leva uma mulher a se descompensar?
As mulheres entraram para o mercado de trabalho e acabaram, muitas vezes, assumindo características masculinas. Talvez as feministas fiquem bravas comigo, masaquelas que embarcam nessa acabarão descompensadas em algum momento. É necessário retornar ao modelo feminino, aquele em que não se quer conquistar países nem ser o número 1 da empresa, muito menos receber todas as promoções e ficar rico. Fama e sucesso são relativos. Mesmo os nomes mais famosos da história são como areia no deserto. A vida não se constrói pelo número de conquistas.

Que resposta daria a uma mulher dividida entre carreira e maternidade?
Entre as diversas vozes que gritam vá ganhar dinheiro”, “vá fazer carreira”, “vá ser mãe”, o segredo está em ouvir aquela que se reconheça como a mais autêntica. Preste muita atenção nos seus valores verdadeiros para não adulterá-los e perder a sua qualidade original.

A tradição judaica valoriza a mulher dentro da cozinha. Por quê?
Porque a cozinha é o lugar mais sagrado não apenas da casa, mas do mundo. É onde os afetos mais importantes de um lar se concentram e os laços se formam. Toda cozinha que tem afeto tem grande impacto sobre os moradores da casa. É aí que nascem os vínculos mais importantes.

Qual o papel dos amigos em nossa história?
Um só amigo verdadeiro é muito mais valioso do que ter 3 milhões de seguidores no Twitter. Se você tiver alguém a quem faça diferença, ocupará um lugar melhor
no Universo do que se tiver mais de mil nomes sem vínculos reais no seu Facebook ou no seu Orkut.

Por que é tão importante o contato com o outro?
Às vezes, nos achamos tolerantes, quando na verdade não somos. Por ser diferente de mim, não posso ter a expectativa de que o outro tenha a mesma visão,
a mesma expectativa. Não acolhero outro significa tentar convencêlo a ser igual a você. Mas dessa maneira a vida não seria tão rica.

A Alma Imoral é um de seus livros de maior sucesso. Que tipo de mensagem transmite?
Cada um de nós estabelece uma moral própria. Ela nada mais é do que o apanhado das crenças que servem para proteger nossos interesses. Embora cada moral seja criada com significado, de tempos em tempos é preciso checar se ela não se transformou em uma camisa de força. Ser imoral, então, é realizar um ajuste fino dessas crenças e opiniões para descobrir se não existem coisas importantes do outro lado. A imoralidade da alma é um resgate necessário para oxigenar a vida.

Quando uma mulher precisa romper com a própria moral?
Se está presa a uma falsa segurança, por exemplo, vai precisar repensá-la. Pode ser que esteja em um emprego que não a faça feliz ou num casamento que precisa ser resgatado ou rompido. Talvez você tenha de lidar com o risco, com a imoralidade e com o desconforto se de fato quiser alcançar sua verdadeira qualidade.

Qual seria uma visão cabalística do amor para o século 21?
Os noivos costumam ficar perplexos quando digo em uma celebração de casamento que devemos desejar que o outro ame mais a vida do que a nós mesmos.
Mas apenas quem está erotizado pela vida, não por um homem ou uma mulher, é alguém para estar ao nosso lado. As pessoas têm que se apaixonar pela vida.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

TODAS AS CARTAS DE AMOR SÃO RIDÍCULAS

Fernando Pessoa 
       Todas as cartas de amor são
       Ridículas.
       Não seriam cartas de amor se não fossem
       Ridículas.
       Também escrevi em meu tempo cartas de amor, 
       Como as outras,
       Ridículas.
       As cartas de amor, se há amor, 
       Têm de ser
       Ridículas.
       Mas, afinal,
       Só as criaturas que nunca escreveram 
       Cartas de amor 
       É que são
       Ridículas.
       Quem me dera no tempo em que escrevia 
       Sem dar por isso
       Cartas de amor
       Ridículas.
       A verdade é que hoje 
       As minhas memórias 
       Dessas cartas de amor 
       É que são
       Ridículas.
       (Todas as palavras esdrúxulas,
       Como os sentimentos esdrúxulos,
       São naturalmente
       Ridículas.)

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

FESTA PAGÃ

IVAN FINOTTI

Como se fosse "La Maja Desnuda", de Goya, o rapaz olha para a câmara de maneira provocante. É barbudo, está deitado de lado num sofá de couro vermelho e apoia a cabeça num dos braços. Seu pinto pende, quase tocando o couro. Atrás, na janela da cabana toda de madeira, pode-se ver a vegetação cerrada da fazenda.
Estamos no campo, nas profundezas do Tennessee, terra da música caipira, do uísque de milho e dos rituais celtas de fertilidade.
Rituais celtas de fertilidade? Isso mesmo: todo ano, em maio, em uma fazenda a uma hora e meia de distância de Nashville, comemora-se o Beltane, festival pagão que marca a primavera e festeja a fertilidade, seja da terra, seja do homem.

É a segunda vez que o fotógrafo mineiro Gui Mohallem, 31, vem a esse festival quase secreto, certamente fechado, em que jornalistas não são bem-vindos. Ele tira a foto do rapaz de barba e se encaminha para fotografar um casamento pagão entre duas mulheres, no meio de um círculo de pedras. Depois, ele saberá que uma dessas mulheres havia nascido homem, mas virou mulher e então se tornara uma mulher lésbica, ao se casar com outra mulher.

Mas gUi (que não gosta de ser chamado de Gui) não está lá para registrar as pessoas andando peladas pela fazenda (e elas estão andando peladas), fazendo sexo na frente dos outros (e elas estão fazendo isso) ou mostrando o pênis para a câmera (e o rapaz barbudo está mostrando). gUi está lá para resolver questões pessoais e se deixar influenciar pela experiência.

Ele se apresenta, a Nikon F80 a tiracolo, e pergunta se pode fotografar a pessoa em dado momento, mas que não seria agora, que ela não perceberia, pois não seria foto posada. A maioria concorda. São 700 pessoas no festival.

"A câmera me ajudava a entender o que estava acontecendo", disse gUi, anteontem, na Galeria Olido. É lá que abre hoje uma exposição com algumas das fotos que fez no Tennessee. Pouco mais que uma dúzia.
 "Quero deixar a obra aberta para as pessoas preencherem."

Quanto à imagem do rapaz barbudo, é a mais explícita da série. "É a foto de que eu tenho mais medo, que me expõe, que me coloca naquele lugar. Não sou só um espectador; sou um ser desejante. Antes, nunca imaginaria fazer essa foto, muito menos expô-la. Mas achei importante, mesmo tendo medo de minha mãe vir ver a exposição."

domingo, 12 de dezembro de 2010

OS MUITOS RICOS NÃO GARGALHAM

Os muito ricos não gargalham
DANUZA LEÃO

Eles não têm dinheiro no bolso nem chave da porta; não freqüentam lugares da moda nem usam roupas com grifes à mostra; não carregam malas nem passaporte. Eles não são ricos: são muito ricos

Os muito ricos adoram brincar de pobres. Para as férias, costumam ter uma casa simples, mas muito confortável, numa praia ainda não descoberta do Nordeste, e por nada deste mundo deixariam uma revista fotografar este paraíso.
Lá, usam bermudas velhas, camisetas desbotadas, andam descalços e só recebem os muito íntimos. Quando isso acontece, oferecem uma cachacinha local e nada lhes dá mais prazer do que uma comida muito simples, especialidade da mulher do caseiro. O casal trabalha com eles há 30 anos, usa bermuda, camiseta, anda descalço mesmo para servir a mesa e tem uma familiaridade com os patrões que só o tempo permite.
Os carros dos muito ricos costumam ser pretos, de marca indefinida e nunca do ano.

NÃO FREQUENTAM FAMOSOS TEMPLOS DE LUXO E NUNCA USAM CHAVES
 
Os muito ricos não ostentam; os homens mandam fazer suas gravatas e lenços sob medida no Charvet, que fica num segundo andar na Place Vendôme, endereço em Paris que só poucos conhecem, e suas mulheres têm jóias maravilhosas mas guardadas no cofre de um banco -na Suíça, de preferência-, que são usadas apenas em jantares muito privados, só entre eles. E não usam uma só roupa ou acessório que seja "identificável". Têm seus costureiros exclusivos, que só elas conhecem, e que não fazem a menor questão de aparecer nas revistas de moda, para que suas criações não sejam usadas por estrelas de cinema na noite do Oscar ou manequins e assim não sejam vulgarizadas.
Só quem faz parte desse seletíssimo mundo é capaz de identificar a origem daquele vestido, daquela bolsa ou daquele sapato. Afinal, qual a graça de usar um vestido com a grife de St. Laurent, se esse vestido não foi desenhado pelo próprio e, desde que a marca foi vendida, no ano 2000, a cada estação muda o designer?
O porta-voz da luxuosíssima Bottega Veneta declarou recentemente: "Nós nos rendemos ao prazer da nossa fantástica qualidade e mão-de-obra, e isso diz mais do que qualquer grife". Detalhe: em seus artigos não há um só sinal sugerindo de onde eles vêm.

Jamais um logotipo, jamais uma letrinha que identifique de onde saíram aquelas preciosidades. Mas quem sabe -e só quem sabe- sabe.

Os muito ricos, até por cansaço de serem ricos há tanto tempo, viajam -e vivem- à maneira deles; em altíssimo padrão, mas na maior das discrições. Não é um problema de dinheiro, claro, mas os famosos templos de luxo e riqueza não são freqüentados por quem é rico de verdade.

Um amigo meu, quando vai a Londres, fica em um hotel que é uma casa; uma casa normal, tipicamente inglesa, com poucos quartos, onde só se hospedam pessoas altamente recomendadas. Nesse hotel-casa, cada hóspede tem a chave da porta da rua; não existe portaria, conseqüentemente também não existem porteiros, e, no living -confortável, charmoso e bem inglês-, um bar com todas as bebidas, os copos apropriados, e um balde de gelo. O hóspede se serve do que quer, e anota num bloquinho o que consumiu, que será cobrado quando for pagar a conta. Ah, e nessa hotel/casa tem um gato, que está sempre passeando pela casa. Pode ser mais chique?

Outra coisa invejável dos muito ricos é que eles não usam chave; a qualquer hora que cheguem, o motorista telefona do carro, discretamente, avisando que o patrão está chegando, e um empregado estará esperando, com a porta já aberta. A arrumadeira ajudará madame a se despir, perguntará se ela deseja alguma coisa -talvez um chá-, o mordomo fará o mesmo com seu marido, eles dormirão em lençóis que, se não são trocados todo dia, serão pelo menos passados todo dia, para não marcar o rosto, e o quarto ficará na mais perfeita ordem, sem uma só peça de roupa em cima de uma cadeira.


NUNCA SÃO VISTOS NAS RUAS OU LOJAS E ADORAM DIZER QUE NÃO GASTAM

Eles nunca são vistos nas ruas, nas lojas, nas joalherias. São elas que vão até eles, muito mais prático. Vendedores levam os itens mais novos e exclusivos das coleções e, nas raras vezes em que saem -afinal, às vezes é preciso respirar um pouco de ar puro-, se entram num estabelecimento comercial são logo reconhecidos pelos vendedores; a conta vai diretamente para o escritório, e o(s) pacote(s) é(são) entregue(s) em casa, pois rico não carrega embrulho. E cuidado: se acontecer de você sair com alguém muito rico, é capaz da conta sobrar para você, pois rico não costuma levar dinheiro no bolso, nunca.
Os muito ricos adoram dizer que não gastam; aquele vestido maravilhoso é um Chanel antigo de 30 anos atrás, o outro foi comprado há 15 numa lojinha exclusivíssima no interior da Espanha, e os lençóis, discretíssimos e sempre brancos, são bordados por freiras de um convento em Portugal.
Eles não falam de moda nem de consumo, e o vinho que servem em casa é tão garantidamente o melhor que é servido em garrafas de cristal -e não se fala na origem nem de que ano é, porque não precisa. Têm vários celulares, sendo um do motorista; quando saem, de onde estiverem, telefonam para que o carro já esteja na porta e eles não precisem esperar.

Viajar, para os que são ricos há muito tempo, é simples; para isto existe a femme de chambre -arrumadeira, para os mais simples. Cada peça de roupa é embrulhada em papel de seda, cada pé de cada par de sapatos vai embalado num saquinho de flanela. As malas nunca vão cheias demais, para que nada amarrote.
A secretária vai para o aeroporto três horas antes, levando a bagagem, os bilhetes de avião e os passaportes. Despacham as malas, fazem o check-in, e o casal sai de casa, ela com uma bolsinha pequena, e o marido, sem nada nas mãos.

NÃO LEVAM MALAS CHEIAS E NÃO COMEM NADA DURANTE A VIAGEM
Chegando ao aeroporto -dependendo da distância, vão de helicóptero-, são levados não para a sala vip, com aquele amontoado de gente aproveitando para beber de graça, falando aos berros, crianças correndo e gente dormindo pelas cadeiras. A sala vip dos muito ricos é exclusiva, e nela eles desfrutam de uma paz celestial até a hora de entrar no avião, quando são os últimos a embarcar. Só viajam em classe executiva, e durante a viagem não comem nada, só bebem água.
Estou falando dos que não tem um avião particular, é claro. Aliás, avião, a não ser particular, hoje em dia só é praticamente usado pelos pobres.
Mas, se necessário, quando se instalam em suas poltronas, as mulheres costumam recusar o cobertor que a comissária de bordo oferece; tiram da bolsa uma manta de pashmina, comprada no Hermès de Paris - US$ 3.000, pelo menos-, e que dobrada é do tamanho de um lenço. Qual a mulher que se cobriria com uma manta que já foi usada por outra pessoa, mesmo que tenha sido esterilizada?

Aliás, quando você quiser saber se uma manta é mesmo de pashmina, tire seu anel e procure passá-la por dentro dele. Se não passar, é falsa.
Essas pessoas não usam dinheiro, só cartão de crédito. Para dinheiro de bolso, é só telefonar para o banco onde têm conta -na Suíça ou em Luxemburgo- e um portador levará o dinheiro ao hotel, em qualquer lugar do mundo.
Em Paris costumam se hospedar no Ritz ou no Meurice; a femme de chambre que os acompanha nas viagens desfaz a mala, põe nas gavetas as peças menores e pendura as roupas -depois de passadas, é claro. Mas quem se hospeda nesses hotéis, se não quiser, nem precisa levar sua camareira, pois nesses hotéis as coisas funcionam automaticamente; e na hora de ir embora, as malas são tão bem feitas como quando chegaram.

Eles não freqüentam os restaurantes da moda e preferem almoçar no terraço da Closerie des Lilas, onde não correm o risco de encontrar uma só pessoa que pertença ao chamado jet set; talvez cruzem com um banqueiro que conhecem há anos, que chegou de Genève naquela manhã, a negócios, e vai voltar na mesma tarde. De trem, é claro.


DORMEM EM QUARTOS SEPARADOS E NÃO TÊM AMIGOS ÍNTIMOS
Curiosamente, os muito ricos dormem em quartos separados; não saem do quarto sem estarem formalmente vestidos, e o casal se trata com a maior cerimônia. Nem sei como conseguem procriar. Não têm a menor intimidade com os empregados e não costumam ter amigos íntimos, por isso quando têm seus problemas existenciais não têm com quem se abrir, pois não costumam freqüentar analistas. Imagine, um muito rico ser visto saindo do consultório de um psi.

Não foi à toa que a imperatriz do Japão, devido ao rigor do protocolo, teve uma depressão e ficou sem aparecer nem nas cerimônias oficiais, por longos anos.
E os muito ricos, muito ricos mesmo, homens e mulheres, têm uma coisa em comum: nunca ninguém ouviu, e jamais ouvirá, um deles dando uma gargalhada. No máximo, eles sorriem.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

O CIÚME NOSSO DE CADA DIA

Carmen Vasconcelos

Embora seja noite, o ciúme não dorme, rouba o sono, é um fantasma sólido que faz durar a hora gótica. Embrulha o estômago, dá calafrios, provoca tonturas. O ciúme fermenta engasgos, tira as palavras do prumo, dança sobre palavras dobradas. O ciúme infirma, faz do chão pântano. É ponte que rui com o peso de uma boiada estourada; é um rio descontrolado, em cujas cabeceiras se derramaram montanhas de nuvens. O ciúme vive de convulsões e impulsos. Só entende a pantomima dos espasmos. Súbito e surpreendente, bebe lágrimas e suor, e come soluços.


O ciúme (no dizer dos ajuizados, essa monumental falta de juízo) costuma atacar sem aviso. Anda nos passos do amor, mas não porque o seguisse. Antecede o amor e continua a existir depois dele (Proust), aviva-o. Às vezes cria o amor, confunde-se com o amor, a ponto de tornarem-se uma mistura indistinguível. Não é politicamente correto falar essas coisas, mas amor e política também não são uma mistura muito sincera. Amor e ciúme o são, por muito que se negue.


Porque às vezes se retrai, porque às vezes fica quieto, não se pense que o ciúme sucumbe às boas maneiras e aos conceitos bem comportados. Antes, deve estar traçando estratégias, criando maneiras de cercar o ser amado. O ciúme, ogro faminto, está sempre rondando. É cuidado? Só se for com a pessoa mesma que o sente. É prova de alerta, não de amor. É proteção? de alguém que o amante sente seu. E olhem que ninguém pode mesmo, de verdade, pertencer a outra pessoa, e se o amor valida essa posse, tal validação sempre padecerá de precariedade.


O ciúme sabe disso, conhece as vicissitudes dos sentimentos. Por isso, tem medo e taquicardia, e por isso desperta no ser amante o seu lado menos louvável, o que guarda aqueles sentimentos que ninguém quer sentir e as ações que ninguém quer praticar: superstição, egoísmo, inveja, rabugice, falta de generosidade, descaso com o resto do mundo, porque no mundo só existem dois.

E quem pode atirar a primeira pedra naquele ciumento? Com muita sinceridade, com muita sinceridade mesmo, quem nunca desejou que um raio, desses que, com essas chuvas de agora, põem nos olhos a luz aberta da noite, fulminasse um eventual rival, como um dia fez um raio com Justine, a boa moça que o Marquês de Sade não perdoaria? Quem vai atirar a primeira pedra no ciumento?

Todo ciúme decorre de uma falta de juízo, mas, e o amor? Acaso quem ama está em seu perfeito juízo? Não é o amor aquilo que desata os nós das censuras internas? “Tu desatas ainda os nós internos, com teu canto”, disse Montale ao mar, diz o ser amante ao ser amado, diz o amor ao ciúme. O amor ata, diz Almodóvar.


Não se pode negar o ciúme, mas quando ele não é domado, acaba sufocando o amor. Doma-se o ciúme? E o que é que não se doma, no espírito? Até o amor pode ser domado, até mesmo a fé. Doma-se o ciúme, como se doma um cavalo alado. É difícil, porque, além de chucro, o cavalo ainda tem asas. Mas há um tempo para tudo debaixo do sol (Eclesiastes) e o ciúme se doma sim, usando os seus próprios estratagemas, os seus mecanismos de identificação.

Porque o ciúme se reconhece nos reflexos, nos revérberos. Ele se revela nas ações mais cotidianas, nas mais banais.


Tente. Persevere. Você acabará por domá-lo. Só não cometa o erro fatal de fingir que ele não existe, desdenhar dele. Porque se você fizer isso, quando menos esperar, o ogro faminto vai engolir você.

sábado, 4 de dezembro de 2010

FRIDA

Frida Kahlo
Abelardo de Carvalho
A pintora mexicana Frida Kahlo é o exemplo clássico de como o sofrimento pode esculpir um artista, de como o sofrimento produz obras primas. Casada com o mais famoso pintor de seu País, Frida sofreu um acidente de carro quando tinha 18 anos. Fraturou a coluna, diversas partes do corpo e enfrentou 35 cirurgias. Durante toda sua vida, lutou para abstrair-se da dor. Teve uma das pernas amputada e jamais chegou ao término de uma única desejada gravidez, devido aos vários abortos naturais.

Nasceu nos arredores da cidade do México, junto com a Revolução Mexicana e aos sete anos já sofria de poliomielite. Certa vez, chegou a comentar que já não fazia mais idéia do que era dor. Inválida numa cama, Frida dedicou-se à pintura. Sua arte foi admirada por Picasso, Breton, Duchamps e depois esquecida. Há pouco mais de 10 anos o mundo a redescobriu. Seus auto retratos se valorizaram e até um filme foi rodado. No ano passado, montaram em São Paulo uma peça teatral, cujo título era: Frida.

Além dos óleos sobre tela, a pintora nos deixou um diário ilustrado de grande riqueza sentimental. Publicado na íntegra pela primeira vez, o surpreendente diário documenta os dez últimos anos de sua vida turbulenta. Este registro íntimo foi guardado a sete chaves durante cerca de quarenta anos e contém pensamentos, poemas, sonhos, e reflete o seu tumultuado relacionamento com o marido, Diego Rivera. As setenta gravuras coloridas no diário - desenhos alegres - fazem com que se penetre no processo criativo da artista, e mostram como ela costumava usar o diário para formular idéias pitorescas para suas telas.
Grande parte de sua obra é constituída de auto retratos, que mostram uma artista decepada pelo destino. Os seus quadros refletem sofrimento, são mórbidos, mas líricos ao mesmo tempo. O grande escritor mexicano Carlos Fuentes, escreveu a seu respeito: "O corpo é o templo da alma. O rosto é o templo do corpo. E quando o corpo decai, a alma não tem outro santuário a não ser o rosto. Nascida com a revolução, ela tanto reflete como transcende o evento central do México no Sec. XX. Ela o reflete em suas imagens de sofrimento, destruição, chacina, mutilação, perda, mas também nas imagens de humor e de alegria, que tanto marcaram a sua vida penosa. (...) Em Kahlo há um humor que transcende a política e até mesmo a estética, que faz cócegas nas próprias costelas da vida. O diário é o melhor exemplo desse desrespeitoso, trocadilhesco gênio da linguagem do humor, que fazia de Kahlo aquela meiga e, afinal de contas, feliz personagem, apesar de todo o seu sofrimento. Sua voz, dizem todos os que a conheceram, era profunda, rebelde, pontuada por gargalhadas e palavrões".

Em 1950, aos 43 anos de idade, Kahlo submete-se a seis operações na coluna, o pé começa a gangrenar ela precisa hospitalizar-se por causa de uma infeção aguda nos ossos enxertados. Enquanto tem forças, pinta. Frida morreu aos 47 anos. Oficialmente, a morte foi causada por "embolia pulmonar", mas há suspeita de suicídio. Pouco antes de morrer, teria dito: "Tomara que nunca mais eu precise retornar

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A Ciganita de Miguel de Cervantes (1613)

“Os ciganos e as ciganas, parece, vieram a este mundo só para serem ladrões; nascem de pais ladrões, criam-se entre ladrões, estudam para ladrões e, finalmente, saem-se ladrões sabidos em qualquer situação e o desejo de roubar e o facto de roubar são, neles, acidentes inseparáveis, que só perdem quando morrem.”
Inserindo-se na compilação: Novelas Exemplares", “A Ciganita” é o maior dos 12 contos elaborados por Cervantes, pequenas histórias político-sociais da Espanha renascentista. Cervantes é mais conhecido pela sua famosa obra: Dom Quixote de La Mancha, enobrecida como uma das mais importantes obras da literatura mundial. Não obstante isso, Miguel de Cervantes não se furtou a registar o seu olhar perspicaz em várias dinâmicas sociais; no caso a apresentar, nos itinerantes grupos ciganos e na nobreza do princípio do século XVII.
A prerrogativa de Cervantes começa no seu estilo de prosa: elaborada, tem uma dimensão poética única, dona de um ritmo muito próprio, elevando-se como uma melodia, tal e qual uma canção com uma harmonia musical universal. A ironia e a ambiguidade são as constante transversais nos textos de Cervantes, sempre repicados de um astuto ridículo, transformando a mensagem numa divertida comédia jocosa, sem nunca ser flagrante.
Este conto é particularmente marcado pelo idealismo, também este uma marca do estilo de Cervantes. Preciosa é a pequena cigana, encantadora, tanto pelos seus atributos de beleza, como pela formosura das suas cantigas, enfeitiçando todas as  gentes com as suas virtudes. Dona de um espírito livre, pouco comum entre os da sua etnia, leva André Cavaleiro, um jovem fidalgo, a abdicar da sua vida de nobre e seguir a vida cigana, para provar o seu amor por Preciosa.
No interesse da narrativa encontra-se entrincheiradas uma série de questões morais que vão para além do contexto histórico em que Cervantes a escreve, estendendo-se até à actualidade. Para lá de uma evidente história de amor, temos um par de personagens que iludem o próprio destino, contradizendo o estereótipo e o arquétipo  dos grupos a que pertencem, libertando-se dos rótulos a que o sujeito está imposto, por pertencer a um determinado grupo social. Uma lição desconceituada de um espanhol da idade moderna.
Para os menos atentos, o perfil irónico de Cervantes pode levar a conclusões erróneas, se olhado superficialmente. Mas, a sua poética, acaba por deixar a  descoberto as virtudes individuais da liberdade moral, da obsessão, da nobreza espiritual e da honra, principalmente, quando estas assentam numa consciência e em princípios morais bem delineados, infelizmente, pouco habituais à grande maioria dos homens. 

ALGO SOBRE DAVID FINCHER

ENTREVISTA
David Fincher

O homem do tempo
O diretor de "O Curioso Caso de Benjamin Button", filme com 13 indicações ao Oscar, fala à Folha sobre sua insólita história de amor assombrada pela morte

LEONARDO CRUZ
EDITOR-ASSISTENTE DA ILUSTRADA


O norte-americano David Fincher vive o momento de maior reconhecimento de seu trabalho. Seu sétimo longa, "O Curioso Caso de Benjamin Button", recebeu ótimas críticas na imprensa, faz sucesso de público e, na quinta, obteve 13 indicações ao Oscar, incluindo melhor filme e diretor, a primeira desse cineasta de 46 anos.
No filme, em cartaz no Brasil, Brad Pitt interpreta o homem de relógio biológico invertido, que nasce velho e vai remoçando. Em sua trajetória está Daisy (Cate Blanchett), a mulher que ama. Entre os dois está o tempo, que os separa e os une ao longo de cerca de 80 anos.
A passagem do tempo é um tema caro a Fincher, já explorado em seu filme anterior, o ótimo "Zodíaco", longa narrativa policial sobre um homem obcecado que dedica anos a perseguir um serial killer. Em "Button", como o próprio diretor diz, o que está em questão é a passagem da vida, o que experimentamos e o que perdemos. Na última terça-feira, dois dias antes do anúncio dos indicados ao Oscar, Fincher conversou com a Folha por telefone, de Berlim, onde estava para divulgar "Benjamin Button".
 
FOLHA - Posso definir seu filme como uma história de amor assombrada pela morte?
DAVID FINCHER - Sim, sem dúvida. O filme não foge da linha das grandes histórias de amor de Hollywood. A diferença é que em "Benjamin Button" o vilão que manterá o casal separado é o tempo. E com o tempo vem a iminência da morte.
 
FOLHA - E isso o atraiu ao projeto?
FINCHER - Adoro a ideia de uma história de amor que rompe com a tradição do amor juvenil impossível. Eric [Roth, o roteirista] desenvolveu uma noção muito mais madura de romance, sobre essas duas pessoas que não conseguiriam viver separadas, mas que passam grande parte de suas vidas afastadas. Sobre um casal que optou por estar junto, e não era a escolha mais fácil. E a decisão de Daisy de estar lá, com ele e para ele, em seus momentos finais, é uma imagem belíssima, que resume essa relação.
 
FOLHA - A questão do tempo já era central em "Zodíaco". Como você relaciona os dois filmes?
FINCHER - São estilos diferentes, mas "Zodíaco" já tinha elementos do que exploramos em "Button". Naquele filme, há um jogo com a plateia, com as noções preconcebidas do que é uma investigação policial. A história vai se abrindo aos poucos, o tempo da investigação vai passando, se esgotando, e você percebe que não é um daqueles thrillers convencionais. Nesse sentido, este novo filme é parecido, e esse relógio que nunca para é, em "Benjamin Button", a passagem da vida.
FOLHA - Ambos têm certa tristeza.
FINCHER - Não acho que "Benjamin Button" seja um filme triste. É um filme sobre as relações que experimentamos ao longo da vida, confrontadas com a perda dessas relações. Sobre as marcas que deixamos uns nos outros quando nos encontramos pelo caminho. Sobre dor, alegria, amor e remorso.
 
FOLHA - No filme, Button nasce fisicamente velho, mas mentalmente criança. Esse contraste reforça a solidão do personagem?
FINCHER - O filme apresenta para a plateia o que, a princípio, é o melhor dos mundos: amadurecer mentalmente e ganhar vigor físico ao mesmo tempo. Mas, conforme o filme avança, fica claro que o que parecia o melhor dos mundos é uma vida quase tão complicada quanto a de uma pessoa comum. Enquanto muitos filmes mostram um homem comum vivendo histórias extraordinárias, este é sobre um homem extraordinário vivendo histórias comuns.
 
FOLHA - Este foi seu terceiro filme com Brad Pitt. Recentemente, você o comparou a Paul Newman. Pitt é subavaliado como ator, há um interesse maior por sua vida privada?
FINCHER - Acredito que, apesar das muitas capas de tabloide sobre sua vida pessoal, Brad consegue fazer um bom trabalho. Há essa histeria sobre tudo o que envolve ele e a Angelina [Jolie]. Mas isso não interfere no fato de que ele é um bom ator e um grande colaborador. E muitos diretores partilham dessa visão, de que Brad consegue dar ao personagem aquilo que você planejou. Espero que, quando a histeria passar, mais pessoas percebam isso.
 
FOLHA - Seu filme usa muitos efeitos especiais, especialmente para fazer o rejuvenescimento de Button, mas sempre de forma sutil, para reforçar o realismo. Isso contrasta com os investimentos atuais de Hollywood em cinema 3D, com efeitos espetaculosos. Qual sua opinião sobre essa tecnologia?

FINCHER - Hollywood está buscando alternativas para continuar a atrair plateias para o cinema e, mais do que isso, para defender seus direitos autorais. A partir do momento em que, como no 3D, são necessários dois projetores de cinema para conseguir assistir a um filme, isso deixa de ser algo que alguém possa baixar na internet. Numa época em que há ofertas de filmes até para celulares (e não sou David Lynch para achar isso bom), o 3D é uma tentativa de preservar esse ritual pagão coletivo de ver um filme em uma sala de cinema, para que nos lembremos que não vivemos sozinhos. Mas não acho que todo filme tenha de ser em 3D nem colorido nem em som estéreo. Tudo depende da ferramenta necessária para contar cada história.
 
FOLHA - Já que você citou Lynch, quais são seus diretores favoritos?
FINCHER - Não tenho tido tempo para ver todos os filmes que gostaria, então estou sempre curioso para ver os filmes dos amigos. Estou ansioso pelo "Avatar", de James Cameron.
 
FOLHA - E quais os filmes que despertaram seu interesse por cinema? FINCHER - Eu era muito influenciado pelo meu pai, que era cinéfilo. Cresci vendo com ele os clássicos americanos. Numa semana, víamos "Cantando na Chuva". Na outra, "Janela Indiscreta". Na outra, "2001, uma Odisseia no Espaço". Sempre no cinema, numa época pré-vídeo-cassete. E depois essa formação se completou na universidade, em cineclubes.
 
FOLHA - As indicações ao Oscar saem na próxima quinta e...
FINCHER - Na quinta?! Você está mais informado do que eu.
 
FOLHA - Mas seu filme deve ter indicações. Qual sua expectativa?
FINCHER - Nenhuma. Só quero continuar a fazer cinema.
 
FOLHA - Mas prêmios como o Oscar não são importantes a um filme?
FINCHER - Esses prêmios são importantes para pessoas que gostam de medir e comparar coisas. Para mim é muito difícil levar a sério a ideia de comparar quais os méritos de cada filme, de gêneros e propostas totalmente diferentes. É possível comparar uma pintura realista com uma impressionista?
FOLHA - Quais são seus próximos planos? Filmes futuros?
FINCHER - Estou cansado. "Button" e "Zodíaco" me tomaram quase sete anos. Quero dormir nos próximos quatro meses.