O
PERIGOSO NAMORO COM A INCERTEZA
Após
viajar em um belíssimo texto de Carmem Vasconcelos, resolvi por fim
ao meu acervo. Estou doando tudo e talvez precise jogar muita coisa
fora. O difícil de tal decisão não é saber o que quero e o que
não quero. O difícil fica por conta das coisas que a gente não
sabe se quer. As coisas do limbo. É a tal história do apego. A
coisa perde a sua destinação, ou a sua utilidade, mas não se tem
coragem de largá-la. Às vezes, viram entulhos, são as coisas
diretamente vinculadas as incertezas.
Com os sentimentos acumulados na vida, ocorre algo parecido. Existem os que queremos para sempre, outros que não queremos sentir. E tem aqueles aos quais nos apegamos, mesmo que às vezes nos façam mal. O mesmo se diga dos ressentimentos que, por sinal, é uma mágoa à qual nos apegamos e só tem um rival na arte de envenenar o espírito da gente: a saudade. Ressentimento e saudade são rivais e são irmãos. Se deixarmos, eles nos devastam.
O
ressentimento é o filho do nosso ego. Alguém se atreve a nos magoar
e merece o fogo do inferno. Acontece de às vezes continuarmos a
desejar o tal fogo para a pessoa durante meses, anos, o resto da
vida. Aí, a pessoa, por conta da saudade, continua a ocupar na nossa
vida por muito tempo um espaço que às vezes os nossos mais queridos
entes não ocupam.
Na verdade, não é bem a outra pessoa quem nos ocupa. É o nosso ego inflamado, que às vezes não nos deixa enxergar que, como todas as pessoas, somos passíveis de ser magoados, enganados, traídos, esquecidos.
Há sentimentos de tal forma misturados conosco, que já nem nos reconhecemos sem eles. Se eles pesam, nosso semblante se torna sombrio. Ressentimentos e saudades são assim, têm muito peso, mudam a nossa expressão e sempre tem alguém que merecerá de nós essa escuridão tão parecida com o sacrifício.
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Fragmentos de textos da poetisa Carmem Vasconcelos.