domingo, 9 de outubro de 2011

LAGOA SECA

Quando ele era pequeno, a forma mais modesta de consumo de cultura era ficar em casa e assistir à televisão. Todas as outras formas de arte eram refinadas e totalmente fora das condições financeiras daquela família.
Fazer um esforço para sair de casa em direção a um templo de cultura era prova de quem tinha dinheiro e o hábito de engajamento refinado com as artes.
No decorrer do tempo, ele passou a consumir cultura, todavia limitou-se apenas a leitura e a musica, porém continuou cativo a filmes de televisão,  habito que o acompanha desde menino.
Não teve irmão e amigos na infância. Era só ele e a mãe. A única irmã que tinha só veio para o seu convívio por volta dos quinze anos. Morou grande parte da infância no bairro de Lagoa Seca, na Rua São João, que ele por sinal, anonimamente, visita até hoje.
Lagoa Seca é o seu rosebud, nenhuma outra palavra lhe faz sombra e ele confidenciou a ela, apenas a ela, que dita fase da sua vida lhe impôs o que ele é hoje. Nenhuma pessoa intimamente ligada a ele, nem sequer a sua família, tem a mais remota idéia do que Lagoa Seca lhe significa, pois para eles não passa de um bairro e nunca ouviram ele pronunciar tais palavras
Lagoa Seca, além do bairro em que morou, significa  algo que ele perdeu e é esta a razão que o faz passar sempre por lá, ponto central da sua nostalgia pela única época de pureza da vida.
Das pessoas que conheceu, nenhuma lhe restou e os que ainda persistem, podem ser tudo, menos amigos.
Apesar da espiritualidade a flor da pele, não freqüenta igrejas e acredita ter feito um pacto com a mais potente força que existe na natureza que é o Grande Arquiteto do Universo.
Após o relato, a Neófita ficou sem entender porque ele confidenciou apenas a ela, todo o relato sobre sua infância e ele, já incomodado com a sua  curiosidade,  lhe respondeu: Os olhos dela eram mais bonitos que os olhos do imperador Nicolau da Rússia que, apesar de belos os tinha sem vida; Os olhos dela eram mais bonitos que os olhos do imame Chamil, mulçumano do Cáucaso que os tinha pequenos e constantemente entrecerrados num rosto de pedra e Os olhos dela eram mais bonitos  que os olhos do cavalo de Khadji-Murát, conquistador do Cáucaso que eram extraordinariamente magníficos, como cabe aos cavalos dos grandes heróis épicos.

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